Fomos questionados há uns dias sobre um caso em que uma operadora teve um auto de infração emitido por negativa para musicoterapia. A ANS motivou a emissão do auto de infração considerando que o Ministério da Saúde registrou que não existe uma única abordagem para o atendimento de pessoas com transtornos globais de desenvolvimento, que desde a vigência da RN 539/22 (que incluiu o Par 4º Ao art. 6º da RN 465/21) cabe ao médico assistente a indicação método a ser utilizado, e ainda, que as técnicas validadas para aplicação por profissional da saúde devidamente habilitado, devem ser consideradas para efeitos de autorização.
Quanto ao argumento da ausência de uma abordagem específica para o tratamento de Transtornos de Desenvolvimento Global por parte do Ministério da Saúde, essa justificativa revela-se bastante frágil, considerando que a responsabilidade de regular, normatizar e fiscalizar a saúde suplementar foi expressamente conferida à ANS pelo artigo 1º, Caput, da Lei 9.961/00. Ademais, vale destacar a autonomia decisória atribuída a essa agência, conforme explicitado no Parágrafo Único do mesmo dispositivo legal.
Nesse contexto, apesar de a Musicoterapia figurar na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), conforme estabelecido pela Portaria nº 849 de 2017 (voltada, vale ressaltar, para o SUS), não pode ser aplicada de maneira análoga às normas regulatórias da ANS.
Indo adiante, não trataremos especificamente do caso concreto objeto de discussão no auto de infração pela ANS, até porque não nos cabe fazer esse tipo de comentário. Nesse sentido, trataremos dos requisitos previstos na norma regulatória e que devem ser analisados para fins da identificação adequada destas demandas. O par. 4º do Art. 6º da RN 465/21 registra: “§ 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente”
Com base na norma regulatória, observa-se que qualquer terapia terá cobertura quando preenchidos quatro requisitos regulatórios, de acordo com o Parecer Técnico n.º 39/GCITS/GGRAS/DIPRO/2022 da ANS:
1) Prescrição do médico assistente;
2) Execução em estabelecimento de saúde ou por meio de telessaúde, nos moldes da legislação vigente;
3) Execução durante a realização de procedimentos com cobertura prevista no Rol (consultas ou sessões com fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos ou outros); e
4) Execução por profissional de saúde habilitado para a sua realização, conforme legislação específica sobre as profissões de saúde e regulamentação de seus respectivos conselhos profissionais.
Portanto, a escolha regulatória da ANS no par. 4º, do art. 6º, da RN 465/21 é proposital em ampliar as possíveis técnicas e metodologias a serem empregadas no tratamento, de forma que tratamento da Musicoterapia deve ser coberto quando preenchidos os requisitos acima.
Ultrapassadas tais questões, destaca-se, inicialmente, que seria imprescindível um aval técnico prévio por parte dos Conselhos Profissionais das terapias aptas a serem empregadas nos tratamentos indicados. Isso porque a mera existência de artigos científicos atestando a eficácia da terapia ou método não é suficiente se não houver validação por algum conselho profissional de saúde.
Do ponto de vista regulatório, é fundamental que o profissional esteja devidamente habilitado para aplicar o método, sendo essa habilitação conferida pelos Conselhos de Classe responsáveis pela fiscalização das profissões, tais como fisioterapia, psicologia, nutrição, fonoaudiologia, enfermagem e medicina.
Neste ponto, reside parte da controvérsia da ANS que tem reconhecido o método da Musicoterapia como eventualmente válido, mas não analisa se há algum conselho profissional que o habilite¹.
Para além disso, o Art. 6º, Par. 4º da RN 465/21 é passível de críticas. E isto porque, se trata de mais uma norma produzida no clamor sociopolítico das disputas sobre “quem regula a saúde suplementar” (se o judiciário, o legislativo ou o executivo por meio da ANS), criando uma norma que possui, em nossa opinião, uma ilegalidade relevante, e isto porque, entendemos que a norma viola o Art. 4º, Par. 7º da Lei 12.842/13 (Lei do ato médico – § 7º O disposto neste artigo será aplicado de forma que sejam resguardadas as competências próprias das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia.) quando lido em combinação com as leis que regulamentam as demais profissões.
Deste modo, caberá ao médico indicar a necessidade do tratamento com psicólogo, fisio, fono, nutri, MAS, cabe a estes profissionais a escolha do método de tratamento, porque o diagnóstico psicológico, fisio, fono, etc, pertence a estes e não ao médico.
A questão pontuada é relevante e precisa ser bem avaliada pela regulação das operadoras, buscando informações sobre métodos e técnicas junto aos Conselhos Profissionais, assegurando com isto a cobertura de procedimentos cientificamente validados e aplicados por profissionais devidamente habilitados.
¹ Observação: Vale ressaltar que, durante nossa análise, não foi possível localizar informações sobre a validação da Musicoterapia por parte de qualquer Conselho de Saúde.