Por Bruno Marcelos
Conforme previsto no Art. 24 da lei 9.656/98, sempre que detectadas anomalias graves que possam comprometer a continuidade da assistência, será implementado algum dos regimes especiais descritos na norma, no caso desta publicação, a direção técnica.
Ressalte-se que a norma possibilita a instauração de ambos os regimes diretivos (fiscal e técnico), um sem prejuízo do outro.
O regime de direção técnica é considerado estratégico para a Operadora, porquanto se reveste de dados sensíveis tanto da Operadora e sua estratégia de negócio, quando de pacientes, motivo pelo qual, tramita em sigilo.
A direção técnica instituída pela citada norma e regulamentada pela Resolução Normativa ANS nº 417/16, pode ser definido como o regime especial, dirigido a verificação e correção de problemas assistenciais.
Um dos principais indicadores relacionados a este regime especial é o Índice Geral de Reclamações (IGR), e ainda, a pontuação da operadora no ciclo de monitoramento assistencial.
Antes de instaurado o regime especial, a Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos – DIPRO, encaminha ofício a Operadora enumerando as falhas detectadas e conferindo prazo de 15 dias para resposta e solução da questão (Art. 3º). Neste prazo, a empresa poderá apresentar Plano de Recuperação Assistencial (PRASS), prazo este que poderá ser prorrogado por decisão motivada da DIPRO.
Este plano tem prazo de vigência de 180 dias (Art. 4º §1º), e com isto já podemos inferir que o lapso temporal máximo previsto para a resolução de qualquer anormalidade administrativa identificada será este, devendo o plano considerar este prazo.
O PRASS deve ser produzido utilizando como plano de ação a metodologia 5W2H, ou seja, por meio de uma planilha de gestão que responda os 5W (what – o que será feito?, why – porque será feito? Where – onde será feito? When – quando será feito? Who – por quem será feito?) e ainda, o 2H (How – como será feito? How Much – quanto vai custar?). Este método é o mais aceito pela DIPRO porque possibilita a fiscalização assertiva dos indicadores.
No curso do PRASS a Operadora deve encaminhar mensalmente a planilha preenchida com os indicadores que demonstrem a evolução da resolução do problema, estes que são comparados com o IGR e com o monitoramento assistencial (que vincula dados da TISS e alguns econômico financeiros relacionados a assistência).
Do julgamento pela DIPRO das medidas mencionadas para resolução das questões, ou do plano de recuperação, caberá recurso a Diretoria Colegiada – DICOL, no prazo de 10 dias. Diferentemente da Direção Fiscal, este recurso tem como regra a imposição dos efeitos devolutivo e suspensivo, sendo necessária justificação fundamentada da DIPRO para a exclusão do efeito suspensivo.
O mencionado plano poderá ser considerado como não aprovado nas hipóteses do art. 17º da RN, que assim dispõe:
Art. 17. No curso do Plano de Recuperação Assistencial, poderá ocorrer a indicação de adoção de quaisquer das medidas previstas no art. 24 da Lei nº 9.656, de 1998, quando:
I – houver agravamento dos riscos à qualidade ou à continuidade do atendimento à saúde dos beneficiários inicialmente detectados;
II – for apurado que as medidas, projeções ou metas fixadas não estão sendo cumpridas pela operadora;
Ultrapassada esta fase, se persistirem as anomalias indicadas no ofício da DIPRO, e sem prejuízo de outras descritas do rol exemplificativo do Art. 19 da RN, será instaurado o regime de direção técnica.
Assim como na direção fiscal, será nomeado um diretor técnico para monitoramento e verificação dos fatos que levaram ao regime especial, o prazo de duração também será de 365 dias e o diretor técnico se dirige a Operadora por meio de Instruções Diretivas – ID.
A questão mais marcante está no fato de que o Diretor Técnico, em princípio, possui poderes de gestão. Diferentemente do diretor fiscal em que a RN 316/2012 prevê vedação expressa a isto.
No entanto, a nosso entender, os poderes do diretor técnico são mais abrangentes do que aqueles previstos para o diretor fiscal. Isto porque, o Art. 35 da RN traz o rol de atribuições para o exercício da direção técnica, e no inciso IX está determinado: “praticar demais atos determinados pela ANS.” O que lhe conferiria poderes muito amplos, apesar da necessidade de chancela da ANS para eventuais medidas não previstas; e ainda, o previsto nos incisos a seguir descritos (grifo nosso):
V – acompanhar os fatos, propostas ou atos ocorridos na operadora no curso do regime especial, determinando a cessação das práticas que contrariem as determinações da ANS, dando ciência à operadora, com a maior brevidade possível, a fim de evitar qualquer dano aos beneficiários;
VI – notificar os administradores da operadora, para a adoção das providências cabíveis, quando da ocorrência de quaisquer irregularidades que possam comprometer a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde dos beneficiários;
VII – requisitar, dos administradores da operadora, esclarecimentos sobre as irregularidades de que trata o inciso anterior;
VIII – solicitar à operadora o Programa de Saneamento Assistencial;
IX – quando necessário, consultar prestadores de serviços de saúde e beneficiários, objetivando verificar a confiabilidade da prestação de serviços assistenciais pela operadora; e
Apenas para que se compreenda esta maior extensão de poderes em comparação com a direção fiscal, este também tem norma similar que lhe abriria maiores possibilidade de ingerência sobre a empresa, conforme se identifica no Art. 6º, inc. VII (propor à ANS, quando for o caso), alínea G: “demais medidas que julgar cabíveis para o cumprimento eficiente do regime.”, no entanto, o diretor fiscal não tem poderes de gestão (art. 5º, RN 316/12), o que limita circunstancialmente sua atuação.
Incumbe ao diretor técnico, em similaridade com a direção fiscal, requisitar a apresentação do plano de saneamento assistencial, que deverá ser dirigido a DIPRO para verificação e avalição do mencionado plano.
Nos termos do Art. 34, se as anormalidades administrativas cessarem, será extinta a direção técnica, no entanto, a manutenção das questões que levaram ao regime especial direciona a Operadora para a Liquidação Extrajudicial.
Um ponto relevante sobre este tópico e que temos acompanhado por relatos, dá conta da cassação do registro definitivo ou temporário da operadora, sem a imposição de regime especial. Observamos que este tipo de ocorrência tem sido comum nas hipóteses em que a anormalidade está ligada a questão administrativa.
Pela leitura atenta da legislação, e considerando os princípios constitucionais e de direito administrativo, compreendemos absolutamente equivocada a posição da Agência em cassar o registro da Operadora (provisório ou não) sem a instauração do regime especial de direção técnica. Uma das razões mais simples e objetivas está descrita no Art. 34, inc. II da RN. Portanto, reitere-se, a cassação de registro da Operadora sem a instauração do regime próprio, implica em ilegalidade que deve ser combatida.