Questões relativas a CGPAR 22 e CGPAR 23 o que ainda precisa ser visto pelas autogestões?

A saúde suplementar é dividida em algumas modalidades empresariais: as seguradoras, a medicina de grupo, o sistema de cooperativas e as autogestões. Esta última tem por finalidade organizar e promover o custeio do benefício de assistência a saúde dos empregados exclusivamente de uma determinada empresa ou conglomerado definido.

Para que possamos adequadamente delimitar o tema, a questão em comento tem relação com o beneficiário de assistência a saúde promovido por autogestão, para os empregados públicos federais, abrangidos por isto, pelas Resoluções da Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União (CGPAR), nºs 22 e 23, ambas de 2018.

Passemos para visão geral sobre as resoluções. Claramente o Administração Público objetiva aprimorar o monitoramento e as boas práticas sobre o oferecimento do benefício de assistência a saúde, criando a determinação para apresentação de indicadores, orçamento e relatórios gerenciais, bem como, cria diretrizes para o custeio e limitações na criação destes benefícios.

A questão problemática reside na tomada de decisões para a consecução do ali disposto, considerando variáveis que são próprias de cada operadora, e ainda, reflexos sobre direitos adquiridos e eventuais violações a princípios de direito administrativo.

Claro que não será possível individualizar questões específicas de cada realidade, mas identificamos pontos em comum e que certamente são a base para a construção de um pensamento jurídico e estratégico complexo na formulação de saídas para os problemas que, certamente, todas as operadoras vem identificando.

No que concerne a Resolução CGPAR nº 22/2018, identificamos que a norma está acordo com o Art. 37 da CRFB/88, porque preconiza a melhoria dos processos de controle, governança corporativa, transparência e eficiência da Administração Pública, fato este que atende integralmente o interesse público, bem como é a garantia de regularidade das condutas e tomadas pelos administradores, o que tem forte impacto na eventualidade de direções fiscais e liquidações.

E isto porque, os diretores estão sujeitos ao que dispõe o Art. 24 da Lei 9.656/98, o que importa em imediata indisponibilidade de bens destes agentes. Sobre o tema, indico artigo de nossa autoria disponível no link (clique aqui).

Neste contexto de avaliação de responsabilidades pela quebra, o Comitê de Inquérito da ANS procede a avaliação das informações técnicas a fim de identificar a responsabilidade dos gestores na tomada de decisões, motivo pelo qual, a transparência nas informações e o conjunto de elementos técnicos podem afastar a responsabilidade pela quebra.

Verdadeiramente o problema reside na Resolução CGPAR nº 23/2018, onde são criados limites financeiros e técnicos para continuidade e criação de novas operadoras.

A questão principal em avaliação nesta resolução tem especial ligação com o direito adquirido (Art. 5º, inc. XXXVI, da CRFB/88) e o princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Art. 3º da Lei 8.666/93), haja visto que as indicadas resoluções alteram profundamente a formação e custeio de diversas operadoras, em especial, aquelas cuja a mantenedora suporta integralmente os valores do benefício.

É importante registrar que a resolução tem atenção ao direito adquirido, fato este observado nos Art.s. 8º, 9º, PÚ e 16 da indicada resolução. A norma ainda se atenta a fato relevante para os novos contratos, prevista no Art. 11, que reproduzimos:

Art. 11. Os editais de processos seletivos para admissão de empregados das empresas estatais federais não deverão prever o oferecimento de benefícios de assistência à saúde. (grifo nosso)

Claramente o artigo foi introduzido na norma, tendo como referência o princípio da vinculação ao instrumento convocatório do concurso público, fonte primária do contrato de trabalho do empregado público, e que por isto, importa em sua remuneração (e por isto na sua irredutibilidade – Art. 37, inc. XV, da CRFB/88).

Deste modo, em princípio, não há vedação para a modificação de benefícios trabalhistas decorrentes do plano de saúde, porquanto, o edital não vincularia este benefício a um encargo permanente, mas que pode ser instituído em negociação coletiva de trabalho, fornecido temporariamente, ou mesmo alterado de acordo com o planejamento público para o setor (desde que atendidos os requisitos legais).

Diferentemente disto, os editais dos concursos para carreiras públicas, até então, fixavam regras isoladas e que foram sendo alteradas de acordo com os novos editais dos certames, criando regras específicas para empregados contratados na mesma empresa pública.

A padronização do oferecimento atende aos preceitos constitucionais, no entanto, importa na atenção aos direitos adquiridos daqueles que tem no edital acesso a condições diferenciadas ao benefício de saúde.

Aqui reside uma informação importante: direitos adquiridos fixados no edital.

Portanto, do ponto de vista jurídico, a alteração das condições de fornecimento do benefício, inclusive com o custeio e cobertura de dependentes, dependerá do que está previsto no edital expressamente.

A contrário senso, aquilo que não está escrito, pode ser ajustado por meio de Acordo Coletivo de Trabalho, haja visto a necessidade de equilíbrio das contas de custeio do plano de saúde, e que ainda pode ter a intervenção do judiciário, caso identificada a onerosidade excessiva.

Além desta questão, genericamente, não nos parece coerente a fixação de quantitativo mínimo de beneficiários para a instalação de operadora por autogestão. O Art. 6º da res. CGPAR 23/18 registra que são necessários 20 mil beneficiários para a criação da operadora, no entanto, não registra de onde foi extraído esse número.

Aliás, neste particular ainda, as operadoras que não contem com 20 mil beneficiários têm o prazo de 48 meses (agora, apenas 11 meses) para registrar uma solução para o quantitativo de beneficiários.

Neste particular falha a norma em desconsiderar a saúde financeira destas operadoras, que eventualmente podem ter custeio e saúde financeiras compatíveis com as boas práticas implementadas pela norma, mesmo com o quantitativo menor de beneficiários.

Registramos ainda que está em trâmite o Projeto de Decreto Legislativo nº 956/2018, que objetiva sustar os efeitos da resolução CGPAR 23/2018, que já conta com parecer favorável da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) e da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, e segue aguardando pauta para deliberação em plenário desde 17/7/2019, com pedido de tramitação urgente em 04/12/2019.

No PDC, compreendem os deputados que a Resolução subtrai competência regulatória da ANS para fixação de normas relacionadas a saúde suplementar, bem como afastaria futuros candidatos interessados no emprego público, haja visto o atrativo decorrente do benefício da assistência a saúde.

Ainda sobre a norma, foi julgado em 04/08/2020 o processo nº 1017666-84.2018.4.01.3400, interposto pela ANFBB e pela APFBB, com a procedência do pedido da ação coletiva para tornar nula a Resolução CGPAR nº 23/2018. A sentença tem como fundamento a decisão do agravo de instrumento que deferiu a tutela de urgência que sustava os efeitos da resolução.

Na sentença, a D. Magistrada registra sua inconformidade com a decisão do agravo, no entanto, atendendo ao princípio da segurança jurídica, mantém a fundamentação do agravo julgando procedente o pedido para a declaração de nulidade da resolução. Para acesso a sentença, segue o link (clique aqui)

Evidentemente da decisão será realizada remessa obrigatória ao Tribunal Federal da 1ª Região, para a revisão da decisão de primeira instância, no entanto, há que se considerar que a decisão foi tomada tendo por base a decisão do agravo de instrumento e o julgamento será retomado pelo mesmo magistrado de segundo grau.

A questão está longe de ser pacífica, mas demonstra o claro interesse da Administração Pública em proceder a alterações nos sistemas de custeio de saúde das autogestões federais e que ainda terá outros desdobramentos.

Cabe registrar que as Operadoras, apesar da suspensão determinada pela ação judicial, devem se atentar ao prazo e ter em seu planejamento a eventual necessidade de tomada de medidas para o seu enquadramento, em especial, porque o PDC e a ação civil pública podem ter reveses, fato este previsível, e que decorre de questões jurídicas e políticas.

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