A ANVISA deu andamento no registro do medicamento Zolgesma, utilizado para o tratamento de pacientes com Atrofia Muscular Espinhal – AME, e conhecido por ser o medicamento mais caro do mundo (algo em torno de U$ 2,1 milhões).
O registro da medicação na ANVISA importa no reconhecimento em território nacional da eficácia do remédio, e da legalidade de seu uso no país, fato este que já era esperado, diante dos estudos que comprovam a sua eficácia.
A questão está em seu curso no SUS e ainda na Saúde Suplementar. Pontos estes que reabrem discussões antigas e relevantes sobre a extensão da cobertura para tratamentos dos pacientes, principalmente, em tratamentos de elevadíssimo custo financeiro.
Mas, passemos a discussão jurídica da medida, porquanto incumbirá ao gestor público, e ao Congresso Nacional, se for o caso, retomar a discussão político-social em torno da questão.
No que concerne ao fornecimento pelo Estado, diante do que dispõe o Art. 196 da CRFB/88, não nos parece muito difícil compreender que o SUS não poderá obstar o acesso a medicação, desde que adequadamente indicado para o uso dos pacientes. E quando se diz adequadamente indicado leia-se que o SUS conta com o CONITEC para a incorporação de novas tecnologias, e ainda, a terceira jornada de direito da saude do Conselho Nacional de Saúde – CNJ, assim pressupõe:
ENUNCIADO Nº 12 A inefetividade do tratamento oferecido pelo Sistema Único de Saúde – SUS, no caso concreto, deve ser demonstrada por relatório médico que a indique e descreva as normas éticas, sanitárias, farmacológicas (princípio ativo segundo a Denominação Comum Brasileira) e que estabeleça o diagnóstico da doença (Classificação Internacional de Doenças), indicando o tratamento eficaz, periodicidade, medicamentos, doses e fazendo referência ainda sobre a situação do registro ou uso autorizado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, fundamentando a necessidade do tratamento com base em medicina de evidências (STJ – Recurso Especial Resp. nº 1.657.156, Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves – 1ª Seção Cível – julgamento repetitivo dia 25.04.2018 – Tema 106). (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde – 18.03.2019)
Portanto, cumpridos os requisitos técnicos, não deveria haver óbice ao fornecimento do medicamento pelo SUS, sendo certo que as procuradorias dos Estados se utilizam do princípio da reserva do possível para obstar acesso a tratamentos de elevado custo, no entanto, em que pese o relevante trabalho das procuradorias, por força do disposto na Carta Magna de 1988, uma vez adequadamente indicada a medicação, esta deve ser coberta pelo SUS.
Já na saúde privada, em especial, na Saúde Suplementar a sua cobertura sofre as limitações do Art. 199 da CRFB/88 c/c Art. 10º §4º da Lei 9.656/98 c/c Art. 4º, inc. III da Lei 9.961/00 c/c com a vigente RN ANS 428/17. E isto porque, o conjunto legislativo mencionado registra que a incumbe a Saúde Suplementar assegurar a cobertura de seus beneficiários naquilo que estiver instituído pelo Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Saúde Suplementar.
O conjunto legislativo nos demonstra que a saúde privada é complementar ao SUS, portanto, o que está previsto no rol da ANS, desonera o SUS e assegura a previsibilidade do custo do plano de saúde. Não é necessário ingressar em outras digressões acerca deste tema, que já foi debatido diversas vezes em outras publicações, e recentemente foi bem colocada em palestra da FENASAUDE.
Deste modo, a doença AME tem previsão de cobertura pela Saúde Suplementar, na medida em que é uma doença catalogada pelo CID-10, no entanto, o tratamento deverá estar previsto pelo Rol.
Esta questão é o centro do debate sobre saúde suplementar ainda hoje no STJ, que apesar ter posição pela terceira turma sobre a taxatividade do rol (REsp 1733013-PR), ainda gera controvérsias na própria Corte Superior.
Se analisarmos outros países com sistemas de atenção integral a saúde da população, e que se pautam pelo princípio da universalização de coberturas, ainda assim, identificaremos limitações relacionadas a capacidade financeira, e adequada distribuição de recursos públicos. E em nenhum destes sistemas há previsão de cobertura “extracontratual” para tratamentos ou remédios não previstos em contrato.
Todas estas questões são relevantes, e devem voltar ao centro do debate, porque a medicação mais cara do mundo, mesmo que solicitada por um único paciente para uma Operadora de pequeno porte, pode ser o suficiente para decretar sua liquidação.
Nos parece que retorna ao debate a necessidade de se discutir outros modelos de contratos, de segmentação, etc, que possibilitem coberturas mais flexíveis, sem que isto importe em prejuízo aos beneficiários. Com modelos que se adequem regionalmente aos diversos “Brasils” que existem no país, ou ainda, a criação de modelos mistos (SUS-Saúde Suplementar), ou mesmo modelos como o Colombiano, que possibilitam o financiamento direto da saúde privada, em substituição ao sistema público de saúde.
Certo é que o debate precisa existir, porque evidentemente a medicina não deixará de evoluir, a sociedade se modificará constantemente, e os modelos de saúde pública notadamente precisam se adequar a estas realidades.