Por Bruno Marcelos
A ANS lançou recentemente a consulta pública nº 124 que dispõe sobre a aplicação de penalidades para as infrações à legislação dos planos privados de assistência à saúde que tem por objetivo a revisão do critério de fixação da penalidade de acordo com o porte das operadoras.
A proposta da ANS seria modernizar a regulação, adotando para fins de aplicação do fator de compatibilização da penalidade (fator multiplicador para o cálculo da penalidade) o critério previsto na RN ANS 475/2021 que dispõe sobre a classificação das Operadoras para fins de aplicação proporcional da regulação prudencial.
Neste contexto, o Art. 10 da RN ANS 489/22 passaria a contar com a seguinte redação:
Art. 10. Serão considerados os seguintes fatores multiplicadores para o cálculo do valor das multas, com base nos enquadramentos dos segmentos de classificação prudencial, conforme disposto na RN nº 475, de 23 de dezembro de 2021, que dispõe sobre a classificação das operadoras de plano de assistência à saúde:
I – S1 e S2: 1,0 (um inteiro);
II – S3: 0,7 (sete décimos); e
III – S4: 0,4 (quatro décimos)
Como o bem mencionado na exposição de motivos da Consulta Pública, a RN 475/21 tem íntima ligação com critérios da DIOPE para fins do eventual estabelecimento de requisitos prudenciais e reportes regulatórios aplicáveis por segmento. Aqui o critério é econômico-financeiro, portanto, ligado a capacidade e risco da atividade, quanto maior a Operadora, maior o risco ligado a problemas econômicos-financeiros.
A consulta pública já está encerrada, no entanto, o registro das contribuições aponta para o receio das operadoras sobre a desproporção dos valores das multas para entrantes no mercado, bem como para as operadoras de pequeno porte, na medida em que o primeiro critério já apontaria para 0,4 (contra o 0,2 anteriores), bem como redução da diluição do critério espacial.
Mas, seria esse critério adequado para a revisão da norma regulatória?
Em nossa opinião, não.
E isto porque estamos diante de uma alteração regulatória que meramente altera um critério financeiro e que faz sua avaliação considerando exclusivamente este aspecto, mas, desconsidera outras questões relevantes do ponto de vista assistencial e regulatório.
Conforme dados do BI da ANS, a taxa de resolutividade das NIPS até Nov/22 é superior a 91%
Portanto, o instrumento regulatório dirigido a resolução de conflitos entre beneficiários e operadoras mostra-se absolutamente eficiente, cumprindo com perfeição seu objetivo regulatório.
Se há necessidade de alteração da norma regulatória, não nos parece que seja o aspecto financeiro da multa (que agravaria a situação das pequenas operadoras, todas extremamente relevantes para multiplicidade de concorrentes no mercado), mas sim, no sentido do incentivo regulatório.
As normas regulatórias, no que toca a sua estratégia, podem ser desenhadas como comando e controle, incentivos, fomento, abertura de informações, ações diretas do estado, etc. No Brasil, via de regra, o regulador busca sanear falhas de mercado com o uso de comando e controle, determinando a forma como o mercado deve se comportar sob as penas da Lei.
No entanto, no caso em comento, estamos diante de dois aspectos relevantes: (1) a boa técnica indica que normas regulatórias são alteradas para sanear primordialmente falhas de mercado, e neste sentido, não se extrai da nota técnica uma falha de mercado que indique a necessidade da intervenção regulatória.
A nota técnica e outros documentos registram a discricionariedade técnica da ANS para promover mudanças no texto em discussão, no entanto, a agencia deve compreender que a discricionaridade técnica está fortemente ligada ao Art. 20, PÚ da LINDB, vinculando-se esta a sua motivação, que pode ser ponderada conforme tese do Prof. Sergio Guerra ligada a Reflexividade Administrativa (como limite da discricionariedade técnica da agência).
Deste modo, não basta afirmar que possui poder regulatório para a escolha é necessário que ela seja motivada de acordo com critérios técnicos que a justifiquem, primordialmente apontando a falha de mercado que se procura corrigir. E não nos parece seja esse o caso da norma, porque não está clara a existência da falha de mercado nos documentos da ANS.
Ainda assim, se a ANS pretende utilizar um critério, nos parece que este tecnicamente deve estar ligado ao problema, ou seja, seria o caso de criar uma norma regulatória equivalente da DIOPE (RN 475) para DIDES considerando então os dados ligados a questão regulatória que se pretende alterar.
Ainda assim, nos parece mais importante (2) a segunda questão que propomos. Considerando os 9% não saneados pelas operadoras (segundo critério de NIPs no painel), porque não aproveitar a movimentação do mercado e da ANS entorno da questão, para buscar o aprimoramento das boas práticas regulatórias ligadas a assistência com a criação de uma norma regulatória de incentivos a melhoria nos processos ligados a assistência?
Ao invés de buscar meios para recompatibilizar punições, poderia a ANS, considerando o largo sucesso da NIP, premiar as operadoras que atendam a metas e standards para terem suas punições reduzidas, porque consideraria a ANS que houve uma melhora no cenário, ou porque ficaria caracterizado que se trata de situações pontuais.
Com isto, a ANS aproximaria suas práticas a uma estrutura moderna, avaliando materialmente a extensão da falha de mercado ligada a assistência, definiria metas que apontassem para uma melhoria concreta dos índices de reclamações e NIPs, e adotaria a redução percentual da multa para Operadoras enquadradas em níveis superiores de atendimento a norma.
Incentivo este que igualmente atenderia satisfatoriamente o mercado consumidor, porque o incentivo concreto tem a capacidade de produzir resultados positivos, implicando na redução das reclamações e consequentemente melhoria na assistência.
Estas são algumas considerações sobre a questão que certamente ainda precisa de aprimoramento e reflexão do regulador sobre as escolhas para equilibrar e sanear falhas de mercado.