Cirurgia Plástica:  responsabilidade civil das cirurgias plásticas 

por Gabriela Caminha e Débora Wyatt

A cirurgia plástica é uma especialidade médica que envolve a restauração, reconstrução ou alteração do corpo humano, promovendo tratamento de patologias, de traumas e melhoria de aspectos estéticos dos pacientes por meio de diversas técnicas e procedimentos que podem ser usados em variadas áreas do corpo.  À medida que a demanda por intervenções estéticas aumenta globalmente, a responsabilidade jurídica dos cirurgiões plásticos torna-se um tema de relevância crescente, tanto para profissionais da área quanto para os pacientes.

Antes de adentrarmos nos desdobramentos jurídicos da responsabilidade civil das cirurgias plásticas, devido a ampla gama de procedimentos existentes, podemos dividir a cirurgia plástica em duas categorias principais: cirurgia plástica estética, objeto do nosso artigo e cirurgia plástica reconstrutiva.

A cirurgia plástica reconstrutiva, é realizada em indivíduos que sofreram deformidades devido a traumas, queimaduras, doenças e defeitos de nascença, ou que necessitam de reconstrução após cirurgias de grande porte, como a mastectomia. Seu objetivo é restaurar a forma e/ou a função de partes do corpo, melhorando a qualidade de vida do paciente. Exemplos incluem a reconstrução de mama, a reparação de fendas palatinas e a reconstrução após remoção de tumores.

Noutro giro, a cirurgia plástica estética ou cosmética, tem como objetivo melhorar a aparência estética de determinadas partes do corpo, visando atender ao desejo do paciente de modificar sua aparência para alcançar o que ele considera mais atraente. Segundo a OMS, temos um novo conceito de um estado de bem-estar físico, social e mental. São procedimentos que incluem mamoplastia de aumento (aumento dos seios), rinoplastia (remodelação do nariz), abdominoplastia (retirada de pele e gordura do abdômen), liposucção (remoção de depósitos de gordura), dentre outros que visam o embelezamento e que não estão diretamente associados a deformidades, patologias, traumas ou aspectos funcionais.

Nesse contexto analisaremos as diferenças entre as responsabilidades do cirurgião plástico pelo resultado da cirurgia plástica reparadora e estética. É incontroverso que a responsabilidade do médico, independentemente de sua especialidade, na qualidade de profissional liberal é subjetiva, ou seja, demanda a comprovação de uma das três modalidades de culpa (negligência, imprudência ou imperícia).

A divergência reside no tipo de obrigação do cirurgião plástico pelo resultado da cirurgia quando o procedimento é estético. Há quem defenda que nos casos dos procedimentos estéticos, em que o cirurgião plástico empreende sobre um corpo sadio com o estrito objetivo de embelezá-lo, sua responsabilidade não seria de meio, onde estaria apenas obrigado a empreender toda a técnica recomendada na realização da cirurgia, mas de resultado, onde além disso precisa garantir o resultado satisfatório do procedimento.

É compreensível – e até inerente – que ao realizar uma cirurgia plástica com fins estritamente estéticos, o paciente esteja buscando uma melhora em seu aspecto físico e que tenha expectativas altas sobre desfecho da cirurgia, caso contrário não haveria razão para se submeter ao procedimento. No entanto, a questão não é tão simples quanto parece, vez que ao se tratar de organismos existem uma infinidade de fatores imprevisíveis e imponderáveis, inclusive de ordem fisiológica do próprio paciente, que tornam impossível ao cirurgião garantir o excelente resultado pretendido, apesar de agir com diligência e acuidade.

Além das reações orgânicas do próprio paciente, que podem influenciar o resultado, há ainda a subjetividade do que seria um resultado satisfatório ou não vez que o critério de beleza não é objetivo e varia de acordo com o gosto do avaliador. Sobre esse aspecto é imprescindível se observar se o resultado de forma geral está harmônico e aceitável,  o que o cirurgião explicou ao paciente sobre o resultado esperado e se houve falha na intervenção para que o resultado não tenha ocorrido dentro do esperado.

Aprofundando-se na legislação pertinente e nas diretrizes éticas que governam a prática, é importante elucidar os princípios que devem orientar os cirurgiões plásticos em suas práticas diárias. O tratamento jurídico da cirurgia plástica foca em aspectos como responsabilidade civil, consentimento informado e a adequação entre as expectativas dos pacientes e os resultados possíveis. Essencialmente, a justiça avalia se o paciente recebeu todas as informações necessárias sobre riscos e benefícios, permitindo uma decisão bem fundamentada sobre o procedimento. Além disso, é crucial que os cirurgiões estabeleçam expectativas realistas e não prometam resultados específicos que não possam garantir, exemplificando:

Consentimento Informado: Um dos aspectos mais críticos é se o paciente foi adequadamente informado sobre os riscos, benefícios e possíveis resultados do procedimento. Os tribunais avaliam se o cirurgião forneceu todas as informações necessárias para que o paciente fizesse uma escolha esclarecida. A falta de consentimento informado pode levar à responsabilidade por danos, mesmo se o procedimento for realizado corretamente.

Expectativas Realistas: A cirurgia plástica envolve não apenas a habilidade técnica e o conhecimento médico, mas também a gestão das expectativas do paciente. Os tribunais examinam se o cirurgião plástico estabeleceu expectativas realistas para o paciente e se houve alguma promessa de resultados específicos que não foram alcançados.

Padrão de Cuidado: Avalia-se se o cirurgião plástico seguiu o padrão de cuidado aceitável dentro da comunidade médica para procedimentos similares. Isso inclui a execução técnica do procedimento, o acompanhamento pós-operatório e a gestão de quaisquer complicações. A negligência médica pode ser alegada se o cirurgião falhar em atender a esse padrão.

Resultados Adversos vs. Negligência: Nem todos os resultados adversos são resultado de negligência. Os tribunais diferenciam entre complicações inevitáveis, que podem ocorrer sem falha do médico, e erros que resultam de práticas inadequadas ou negligentes.

Danos: Para que haja uma compensação, os tribunais precisam estabelecer não apenas que houve negligência, mas também que essa negligência resultou em danos específicos ao paciente, seja físico, emocional ou financeiro.

Há quem defenda que a cirurgia estritamente estética seria de resultado e o cirurgião assumiria a obrigação de resultado pelo simples fato de assumir o risco de intervir em um corpo que não estava doente com o fim de torná-lo mais belo e atraente, bastando que o paciente comprove a não obtenção do resultado prometido. Nós, por outro lado, nos filiamos àqueles que entendem que a responsabilidade do cirurgião plástico permanece subjetiva e sua obrigação permanece de meio, apesar da atuação estética, embora o ônus de comprovar que o dano não decorreu por sua culpa, mas por fatores externos e alheios à sua vontade permaneça.

Bibliografia

15ª edição, 2019. DIREITO MÉDICO; FRANÇA, Genival; Editora Forense.

https://jus.com.br/artigos/59485/a-responsabilidade-civil-do-medico-na-cirurgia-plastica-estetica

https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/rcursodeespecializacao_latosensu/direito_do_consumidor_e_responsabilidade_civil/edicoes/n22013/pdf/AdrianadaSilvaRangel.pdf

https://immes.edu.br/wp-content/uploads/2021/08/7_3%C2%BA-edi%C3%A7%C3%A3o-ANTONIO-RODRIGO-COXE-GARCIA.pdf

https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/informativos/2018/informativo-n-373/cirurgia-estetica-2013-obrigacao-de-resultado

Kfouri Neto, Miguel – Responsabilidade civil do médico – 11. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil,2021 – Pág. 224 a 243.

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