O papel fundamental da perícia em processos por responsabilidade civil médica

Por Gabriela Caminha e Débora Wyatt

Seguindo com os estudos sobre responsabilidade civil no campo do direito médico, este artigo aborda a relevância da avaliação pericial como um meio de prova, que é regulamentado por diversas leis que regem o tema da responsabilidade civil, tendo um impacto significativo nas decisões judiciais.

Para estabelecer a responsabilidade civil de um médico, é essencial identificar se houve atuação culposa, ou seja, se o profissional desviou do comportamento esperado agindo de forma negligente, imprudente ou imperita, causando danos ao paciente. O diagnóstico de culpa na atuação médica demanda conhecimento técnico especializado devido à complexidade e especificidade da medicina. Portanto, a análise de responsabilidade médica não é trivial, envolvendo a avaliação de múltiplos fatores que vão além do conhecimento comum.

Frequentemente, o que pode parecer ao leigo como um “erro médico”, após passar pela necessária prova técnica acaba se revelando, ser, na realidade, uma complicação inevitável da doença ou do tratamento, constatando-se que o médico atuou conforme as melhores práticas disponíveis e que as complicações eram previstas em literatura e inevitáveis, conforme abordado no texto “A iatrogenia como excludente de ilicitude”, publicado em nosso site em 21 de março de 2024.

Neste contexto, a perícia médica torna-se um instrumento crucial para elucidar se houve desvio das condutas médicas estabelecidas, proporcionando uma análise técnica e objetiva sobre o caso. A avaliação do erro médico não é tarefa simples, requer diversas ponderações como avaliação do estado pretérito do paciente, condições ambientais de onde ocorreu o ato médico, a existência de concausas, o comportamento da vítima no pré e pós operatório, a orientação e os esclarecimentos dos riscos por parte do médico, se o profissional seguiu o que a literatura médica determina, se o dano era evitável, se o médico tentou contornar o efeito adverso conforme podia, dentre outros fatores para que se possa concluir ou não pela existência de culpa médica.

É preciso ter em mente, que a medicina não é uma ciência exata, que embora existam protocolos a serem seguidos e cuidados a serem tomados para minimizar os riscos, cada paciente é um indivíduo e, portanto, pode ter reações individuais, por isso faz-se necessário haver uma perícia com profissional habilitado para observar se aquele dano é resultado de algum excesso ou omissão ou se foi uma reação biológica natural, por exemplo.

Um dos desafios na análise da responsabilidade civil médica é a necessidade de estabelecer o nexo causal entre a conduta do profissional de saúde e o dano sofrido pelo paciente. A perícia é capaz de quantificar a extensão dos danos e contribuir para a determinação da compensação adequada, considerando não apenas os danos físicos, mas também emocionais, psicológicos e financeiros. Assim, a perícia fornece uma visão objetiva sobre o caso, evitando julgamentos baseados em emoções ou interpretações leigas, e fundamentando as decisões judiciais em conhecimento técnico especializado.

Para que se caracterize o erro médico é necessário que se extraia, através da perícia, a confirmação de quatro fatores: (i) de que houve dano ao paciente, (ii) de que aquele profissional acusado tenha agido ou se omitido no atendimento àquele paciente, (iii) da existência de nexo de causalidade entre a ação do médico e o dano causa, (iv) que ao agir, o médico tenha sido negligente, imprudente ou imperito.

 A perícia médica é regulamentada em várias leis os quais, a luz da responsabilidade civil médica, podemos enfatizar os artigos 186 e 927 do código civil, 156 e 464 a 480 processo civil, Artigo 35-C Lei dos Planos de Saúde, dentre outros dispositivos e permite uma investigação aprofundada sobre as circunstâncias do atendimento médico, incluindo a avaliação de danos, a determinação do nexo causal entre as ações médicas e as lesões, e a avaliação de incapacidades ou invalidez resultantes. Dessa forma, a referida prova técnica contribui significativamente para as decisões judiciais, oferecendo uma base técnica sólida para o entendimento das questões de saúde envolvidas em demandas judiciais.

A jurisprudência ressalta que o perito médico atua como um auxiliar do juízo, cuja análise deve ser considerada com peso significativo na avaliação do caso, a menos que contrariada por evidências substanciais nos autos ou por outra perícia de igual magnitude. Este posicionamento enfatiza o respeito pela especialização e pela análise técnica na resolução de disputas médicas, reconhecendo a perícia como um pilar fundamental para a determinação da responsabilidade civil em casos de alegado erro médico.

No entanto, a jurisprudência também reconhece que, apesar da perícia ser um elemento crucial no processo, o juiz possui o livre convencimento motivado. Isso significa que o magistrado tem autonomia para decidir com base no conjunto probatório, incluindo, mas não limitado à perícia. Contudo, na prática, a prova pericial frequentemente se mostra determinante, dada a complexidade das questões médicas envolvidas, que exigem conhecimento especializado para uma avaliação adequada.

Não restam dúvidas de que o papel do perito vai além da mera tradução dos fatos médicos para o contexto jurídico, mas constitui uma análise detalhada e fundamentada para capacitar a juiz a fazer julgamentos com assertividade, baseadas em uma compreensão técnica profunda, refletindo a justiça no tratamento de casos de responsabilidade civil médica.

O Conselho Federal de Medicina, através do Parecer consulta 19/1999, esclarece o escopo da atuação pericial, delimitando que a avaliação da culpa, seja no âmbito da imperícia, negligência ou imprudência, cabe exclusivamente ao poder Judiciário ou aos Conselhos Regionais de Medicina. Esta orientação sublinha a separação entre a análise técnica e o julgamento de culpa, reforçando o papel do perito como fornecedor de informações sem adentrar no mérito da responsabilidade.

A exigência de uma perícia objetiva e imparcial é fundamental para a integridade do processo judicial, evitando premissas equivocadas sobre a responsabilidade médica. A correta aplicação da perícia médica no contexto jurídico permite uma avaliação justa das ações dos profissionais de saúde, distinguindo entre os casos de má prática médica dos eventos adversos inevitáveis ou decorrentes de complicações inerentes ao tratamento.

Pelo exposto, a jurisprudência e a prática jurídica valorizam profundamente a contribuição da perícia médica em casos de responsabilidade civil médica, reconhecendo sua importância na determinação de fatos técnicos complexos. A habilidade do perito em desvendar a cadeia de eventos médicos e sua relação com o dano sofrido pelo paciente é essencial para assegurar que as decisões judiciais sejam justas, equitativas e baseadas em evidências sólidas. A integração da expertise médica no processo judicial assegura que cada caso seja avaliado com a profundidade e a precisão que a justiça demanda, promovendo assim uma resolução justa para as partes envolvidas.

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