A Análise Econômica do Direito como ferramenta de análise da regulação

Por Vinicius Machado

O mundo jurídico é complexo e não é raro encontramos em manchetes de veículos de notícias um ou outro assunto polêmico sobre casos sensíveis, decisões judiciais controversas e novas leis promulgadas.  Para além da polêmica entorno das questões, é importante que o profissional do direito, na posição de cientista jurídico, ofereça um tratamento sóbrio e técnico às questões, lançando mão da análise científica para compreendermos a natureza das normas e seus impactos no mundo.

Entre as ferramentas que podemos utilizar para analisar o ordenamento jurídico, está a análise econômica do direito (AED). Esse é um ramo do direito que busca avaliar o sistema legal e a interação entre seus agentes a partir de conceitos da economia. Com isso em mente, o objetivo deste trabalho é fornecer novas perspectivas sobre as normas regulatórias, o que pode contribuir para a compreensão de suas origens, assim como serve de métrica para análise de seus efeitos (se positivos ou negativos).

Para iniciarmos nossa empreitada, precisamos destacar o objetivo da ciência econômica e como se relaciona com o direito. Um problema central da economia é questionar como a sociedade pode fazer uso de seus recursos escassos de um modo que atinja a maior satisfação possível de seus desejos. Quando isso é atingido, a economia é chamada de eficiente (SHAFER, 2004). Nesse sentido, a AED busca aplicar essa perspectiva de eficiência sobre as normas legais.

Deve ser levado em consideração que a análise econômica do direito parte de algumas suposições advindas da escola neoclássica da economia. Essa linha de estudo econômico utiliza modelos simplificados da realidade para analisar certos fenômenos, como uma negociação entre duas partes. Esse modelo parte de algumas suposições, entre elas a de que o indivíduo é um ser racional, que faz escolhas sempre buscando maximizar a utilidade (que pode ser entendida como satisfação, felicidade, e etc.). O conceito de maximização da utilidade é fundamental para entendermos a AED.

Vamos utilizar o art. 10-D, § 3, incisos I, II e III, da Lei 9.656/98 como exemplo para compreender como existem fundamentos econômicos por detrás de algumas normas, mesmo que não tenham sido pensados conscientemente. Esse artigo de lei estabelece diretrizes para o conteúdo que o relatório da Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar deverá observar.

Segue transcrição do texto legal:

§ 3º A Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar deverá apresentar relatório que considerará:

I – as melhores evidências científicas disponíveis e possíveis sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade, a eficiência, a usabilidade e a segurança do medicamento, do produto ou do procedimento analisado, reconhecidas pelo órgão competente para o registro ou para a autorização de uso;

II – a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às coberturas já previstas no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, quando couber; e

III – a análise de impacto financeiro da ampliação da cobertura no âmbito da saúde suplementar.

Esse parágrafo a princípio pode parecer simples e direto. Todavia, quando empregamos o ferramental oferecido pela análise econômica do direito é possível extrair alguns conceitos que se encontram no motor dessa norma legal, o que ajuda a compreender seus objetivos.

Entre as temáticas trabalhadas por economistas que podem ser utilizadas no direito, temos o conceito de eficiência. Esse conceito possui especial relevância na medida em que a eficiência constitui um dos princípios da Administração Pública, conforme art. 37, Caput, da Constituição Federal de 1988.

A definição de eficiência não é consenso entre os estudiosos do tema. Entre as definições mais relevantes podemos citar o de Pareto e o de Kaldor-Hicks. De modo sintético, podemos dizer que o primeiro define que uma alocação de recursos é eficiente quando ao menos uma pessoa se encontra em uma situação melhor com a transação, enquanto nenhuma outra pessoa ficou pior. Noutro passo, para Kaldor-Hicks uma transação é eficiente quando a riqueza total da sociedade aumenta[1].

Vamos tomar o inciso I acima transcrito como exemplo. O texto dispõe que o relatório da Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (CARPES) deverá levar em consideração as melhores evidências científicas disponíveis e possíveis sobre a eficácia, a acurácia e eficiência. A luz do conceito de eficiência de Pareto, esse conceito (com relação à eficiência) poderia ser interpretado da seguinte forma: a comissão deverá observar em seu relatório as melhores evidências científicas disponíveis sobre o uso do produto, de modo que sua inclusão no rol deixe ao menos uma pessoa melhor, sem deixar ninguém em situação pior.

A aplicabilidade prática do conceito de Pareto muitas vezes é questionada, na medida em que dificilmente encontramos uma situação na qual nenhuma pessoa ficará em situação pior ou se sentirá lesada, considerando que a realidade é constituída de recursos limitados, na qual o Poder Público deve escolher para onde irá direcionar os recursos que possui.

Por isso muitas vezes o conceito de Kaldor-Hicks é utilizado como referência. Dessa forma temos que o inciso I poderia ser interpretado da seguinte forma: a comissão deverá observar em seu relatório as melhores evidências científicas disponíveis sobre o uso do produto, para averiguar se a riqueza (ou utilidade) da sociedade seria maximizada caso o produto seja inserido no rol.

A eficiência, dessa forma, pode ser utilizada como parâmetro para ajudar os agentes reguladores a avaliarem a inclusão ou não do produto no rol.

O inciso II, do § 3, por sua vez, traz outro conceito econômico relevante, que é o de custo de oportunidade. O conceito de custo de oportunidade se refere ao custo de uma alternativa que foi abandonada (COOTER; ULEN, 2016), isto é, representa os potenciais benefícios que o indivíduo deixa de colher quando escolhe uma alternativa sobre a outra. Isso se relaciona com o conceito econômico central de alocar os recursos escassos da maneira mais eficiente.

Tendo isso em vista, vamos então considerar o que está escrito na norma. O inciso II prevê deverá constar no relatório uma avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às coberturas já previstas no rol. Em termos de análise econômica do direito, ao realizar essa análise, a comissão estaria avaliando quais seriam os custos de suas decisões, e qual delas maximizaria a riqueza/utilidade.

Portanto, podemos ver que a análise econômica do direito pode ser utilizada para entendermos melhor os fundamentos de certas normas legais, assim como pode servir de parâmetro para avaliação da eficiência da norma, levando em consideração seus possíveis efeitos. Esse trabalho não tinha o objetivo de extrair nenhuma conclusão definitiva, mas sim servir de estímulo à ideia de que conceitos da economia podem ser utilizados para avaliarmos o direito, incluindo normas regulatórias.

REFERÊNCIAS

COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & Economia. Porto Alegre. Brokman Companhia Editora. 6ª ed. 2016

OTT, Claus; SCHÄFER, H. B. The economic analysis of civil law. Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing, 2004.

POSNER, Richard. A. Economic Analysis of Law. Aspen Publishers. 2008.


[1] Para explicar esse conceito utilizaremos um exemplo. Maria possui um livro que quer vender por R$ 10,00 e João pagaria até R$ 20,00 para tê-lo. Se a transação ocorrer em qualquer valor entre R$ 10,00 e R$ 20,00, a transação será considerada eficiente, pois o benefício total criado será de R$ 10 (supondo que a transação seja efetuada por R$ 14,00, Maria considerará ter ganho R$ 4,00 a mais, e João considerará ter tido um desconto de R$ 6,00, somando o benefício percebido por Maria e João chegamos ao valor de R$ 10,00). Nesse sentido, desde que o prejuízo de terceiros não exceda R$ 10,00, a riqueza da sociedade terá sido aumentada.

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