Transformações sociais e necessária mudança de entendimento sobre a boa fe objetiva para os casos de reembolso em contratos de panos de saude

Por Bruno Marcelos

Muito se tem noticiado sobre a larga ocorrência de fraudes nos sistemas de reembolsos nos contratos de planos de saude, e muito se divulga sobre a necessidade de comprovar o desembolso financeiro para justificar o reembolso contratual, já se utilizando do jargão “reembolso sem desembolso” como sinônimo de fraude contratual.

Apesar de parecer simples a questão, em verdade, ela suscita grandes problemas regulatórios, especialmente nos processos administrativos sancionadores. E isto porque, o entendimento da ANS até então não compreendia a necessidade da efetiva demonstração do desembolso pelo consumidor, na medida em que a emissão de recibos e notas fiscais pressupunha o desembolso financeiro.

Podemos afirmar que tal entendimento, com severos reflexos regulatórios, tem seu fundamento maior no princípio da boa-fé objetiva, pelo qual, as partes devem se comportar de forma ética e moral, é o agir pensando no outro de forma a assegurar a conformidade contratual. Deste modo, se pressupunha legítimo o comportamento do consumidor que apresenta a nota fiscal que comprova a realização do serviço que se requer o reembolso.

Aqui é necessário fazer um parêntese, o direito regulatório não é o “direito das agências”, regular tem relação com o ajuste realizado nas relações de mercado e sociais, o que não necessariamente será realizado por norma exarada por agência.

Vencido o fato de que a regulação existe para além das agências e compreendido o fundamento regulatório/consumerista que valida o entendimento da ANS, fica mais simples tratar da transformação do entendimento. E isto porque o direito não é estático, ao contrário, sofre transformações baseadas nas mudanças sociais ao longo dos anos, e no caso em discussão não foi diferente. Não é o direito que muda a sociedade é a sociedade que altera do direito.

Observamos nas inúmeras matérias nos jornais, publicações em mídias especializadas e pareceres de especialistas o crescente uso da ferramenta regulatória do reembolso para a prática de ilícitos ligados a ele, e este grande volume de interações sociais é suficiente para afirmar que há uma transformação no entendimento sobre o princípio da boa-fé objetiva em que a demonstração do efetivo desembolso se torna necessária.

Note que esta transformação é absolutamente compatível com o princípio consumerista em questão, haja visto que os princípios, como fontes do direito, são ponderados diante do caso concreto, e ainda, as normas consumeristas pressupõe o equilíbrio e a regularidade do mercado, nunca a sobreposição e o privilégio exacerbado do consumidor. Uma ponto é a facilitação da defesa do consumidor, outra bem diferente é a chancela do ilícito, e isto é rechaçado pela própria Lei.

Claro que a eventual alteração do entendimento da ANS é cercada dos cuidados que lhes são próprios, a fim de assegurar que os beneficiários de boa-fé tenham acesso ao reembolso das despesas que efetivamente tenham dispendido, no entanto, a realidade se impõe e o direito como reflexo deve adaptar-se a esta buscando meios de apaziguar conflitos sociais, especialmente diante das evidências de irregularidades.

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