Por Bruno Marcelos
O processo técnico de junta médica preconiza que a divergência existente entre o médico assistente e a auditoria médica, será decidida por um terceiro médico desempatador, devendo a decisão tomada ser obrigatoriamente acatada pela Operadora para fins de cobertura.
O indicado processo foi criado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, por meio da RN ANS 424/17, com o propósito de sanear os problemas relacionados a divergência médica ocorrida na avaliação de pedidos de procedimentos médicos e odontológicos junto as operadoras.
Para não perdermos o foco sobre o tema, faremos um recorte sobre o princípio da autonomia, este que consideramos mais relevante no momento da discussão judicial.
E isto porque, no embate judicial, os Tribunais consolidaram a questão registrando que a divergência existente entre o médico assistente e o médico auditor será resolvida pela determinação do médico assistente, na medida em que este é o profissional de confiança do paciente e que, por conseguinte, conhece o caso clínico e adotará a conduta mais adequada.
No entanto, isto não é uma verdade absoluta, fato este já identificado em diversos processos judiciais onde se discute tanto erro médico, quanto fraudes em OPME.
Retornando a junta médica, o médico responsável pela solução da divergência não assume o lugar do médico assistente, nem tampouco indica outro procedimento.
Cabe a este profissional, como em uma espécie de tribunal arbitral, decidir se o procedimento indicado pelo médico assistente é ou não pertinente de acordo com os ditames da medicina, e em sendo pertinente, qual a sua extensão.
Para este fim, o médico recebe os mesmos exames que o médico assistente e a auditoria detém, pode solicitar outros exames ou agendar consulta para avaliar o paciente, buscando identificar o que está acontecendo.
Importante registrar que a autonomia do médico em momento algum foi abalada. E isto por duas razões: a uma, o médico divergente não indica novo tratamento ou técnica de abordagem diferente bem como não assume o tratamento do paciente. Apenas registra decide sobre a divergência entre o médico assistente e médico auditor.
A outra, a divergência atende ao Art. 52 do Código de Ética Médica, que assim dispõe:
Art. 52. Desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente, determinados por outro médico, mesmo quando em função de chefia ou de auditoria, salvo em situação de indiscutível benefício para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico responsável.
Nenhum médico é infalível, bem como nenhuma indicação médica é perfeita, e a relação havida na junta médica busca apenas o alinhamento técnico entre médicos buscando o melhor tratamento ao paciente.
A autonomia não é um direito absoluto, fato este já estudado e bem delimitado pela bioética.
Esta questão simples e objetiva é extremante complexa e demanda algum desdobramento para demonstrar que a Junta Médica, em verdade, atende ao princípio da autonomia, considerando para este fim o melhor interesse do indivíduo.
Mesmo o Código Civil quando trata dos direitos da personalidade, registra uma exceção médica clara ao princípio da autonomia.
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica
O agir com autonomia depende da adequada compreensão da extensão do tratamento médico com o qual o paciente anuiu, com seus benefícios e consequências, considerando neste contexto tudo o que envolve o consentimento livre e esclarecido.
Portanto, é evidente que nenhum paciente, mesmo outro médico, é capaz de dirigir sua vontade com plena autonomia, porque é claro que ou desconhece a integralidade das questões médicas envolvidas, ou ainda, não possui condição emocional de se autodeterminar com clareza.
Por força disto, a junta médica exerce papel fundamental.
O paciente quando emite sua vontade autônoma, consubstanciada no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, compreende que está autorizando a intervenção cirúrgica ou o tratamento clínico que entende ser a melhor para seu caso clínico, considerando as informações oriundas do médico assistente.
Os meios e técnicas a serem utilizados podem ser modulados em acordo com o decidido em junta médica sem qualquer violação a autonomia, porquanto, serão conduzidos no melhor interesse do paciente.
Necessário registrar que a medicina não é uma ciência exata, portanto pressupõe-se que a junta médica representa verdadeira avaliação continuada por outros profissionais que buscam a melhor propedêutica diante do quadro clínico do paciente.
Todos os aspectos apresentados têm igual relevância para afastar do P. Judiciário e, por conseguinte, dos operadores do direito a discussão sobre técnicas e meios da medicina, devolvendo aos médicos o protagonismo das decisões técnicas sobre os eventos médicos.
Em conclusão, a junta médica representa importante ferramenta para salvaguarda da melhor propedeuta dos beneficiários, que considerados sobre o aspecto da autonomia médica e do paciente, se justificam pelo meios e razões apresentados.