Por que a portabilidade de carências não deu certo?

Por Bruno Marcelos

A pergunta do título tem muito do viés provocativo, e pouco da resposta para o problema. Em busca de um caminho que leve aos objetivos do instituto da portabilidade, passaremos pelo registro de alguns pontos no viés das operadoras e dos beneficiários, a fim de buscar compreender a causa e efeito da questão, deixando aos colegas a dúvida sobre quais (e certamente são múltiplas) soluções e meios para tornar a portabilidade efetiva.

O instituto jurídico da portabilidade de carências está inserido na temática das carências, esta última que sofre as influências das recentes alterações sobre o próprio conceito do contrato de plano de saúde.

E isto porque, rapidamente, se no passado o conceito estava ligado a captação e acúmulo de recursos (poupança popular) para atenção ao mal futuro, as alterações regulatórias nos trazem para o conceito de gestão de saúde. E como tal, alteram o viés conceitual da carência, porquanto os programas de gestão de saúde não podem (ou devem) se exaurir no momento da mudança de operadora, fato este que justifica também a portabilidade.

Compreendido isto, a portabilidade de carências igualmente se amolda a maior necessidade de estímulo a concorrência, abrindo margem para todo o mercado concorrer pautado pela relação custo x benefício x qualidade.

Some-se a tudo isto, o esforço regulatório da ANS desde a edição da RN ANS 438/17, com regras mais flexíveis, haja visto ser possível a portabilidade de qualquer modalidade contratual, e inclusive com a criação do guia ANS para portabilidade, onde é possível identificar quais planos seriam compatíveis, bem como valores e coberturas.

Com tudo isto no vigente no plano regulatório, o que deu errado?

Bem, primeiro é necessário afirmar porque deu errado. Apesar dos avanços e do acolhimento de beneficiários com a portabilidade, o que certamente se refletem em números da ANS, certo é que tanto o judiciário, quanto a movimentação do mercado refletem outra posição, tendo a portabilidade como fenômeno de exceção.

Sob o prisma dos beneficiários, nos parece que há problemas relacionados a informação adequada sobre como proceder com a portabilidade. Informação esta que é difundida pelos canais oficiais da ANS, mas que possui pouca efetividade, porquanto limita-se aos espaços corporativos do site da agência, e nas postagens de redes sociais de forma regimental, faltando meios para que esta alcance terço maior da população. Além disto, o uso do guia ANS que já era difícil de ser acessado, ficou mais complexo com a exigência de conta no site gov.br.

No viés das Operadoras a questão tem relação com a portabilidade de doenças, ou seja, pacientes que já estão em tratamento para doenças e demandam a portabilidade para outra Operadora por força do custo (por exemplo), ou em busca de prestadores mais qualificados, causando prejuízos ao agrupamento para o qual irá migrar.

Esse, certamente, é o principal ponto que leva as Operadoras ao “desestimulo” do instituto, porquanto importa na assunção da gestão de saúde de um beneficiário sabidamente de elevado custo, o que causa a variação negativa da contrapartida financeira dentro do novo agrupamento, o que pode acontecer de forma abrupta (se considerados os procedimentos e remédios de alto custo).

Nos parece que há necessidade de encontrar um ponto de equilíbrio no custeio dos beneficiários doentes, a fim de evitar variações abruptas de custo e estimular o uso do instituto, que é fundamental no estímulo a concorrência.

Dentre as ideias provocativas que deixamos, consideramos a possibilidade de alterações regulatórias para possibilitar, por período de tempo limitado, e para os procedimentos de alta complexidade, internados e cirúrgicos, a compensação do custo do tratamento do beneficiário doente com o ressarcimento ao SUS, considerando neste viés que o beneficiário perderia seu contrato de plano de saúde, o que invariavelmente o levaria para o SUS.

Acrescente-se que este viés de custeio teria como principal fundamento o estímulo a concorrência, reduzindo drasticamente o justo receio das operadoras de destino destes contratos, e possibilitando que as Operadoras pequenas possam buscar a captação de novos beneficiários de forma mais segura e organizada.

Certamente o mercado e as associações de defesa do consumidor possuem ideias divergentes sobre a temática, mas o debate é absolutamente necessário para o estímulo da concorrência, buscando um ponto de equilíbrio que assegure a efetividade deste importante instituto da saúde suplementar.

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