Os malabarismos das empresas para cortar custos com plano de saúde

Os planos de assistência médica corporativa, que há quase duas décadas vêm sendo reajustados acima da inflação, estão colocando em cheque a própria saúde das empresas – e obrigando a buscar alternativas para conter as despesas com esse benefício aos funcionários. “Mudar de operadora pode reduzir os custos temporariamente, mas não resolve. É preciso investir numa estrutura de gestão profissional para estimular programas de prevenção e evitar procedimentos de alto custo que não sejam necessários”, diz Luiz Edmundo Rosa, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).

Rosa lembra que a assistência médica superou o investimento em treinamento de pessoal e só fica atrás dos gastos com a folha de pagamento, respondendo, em média, por 12% dos custos fixos das empresas, podendo chegar até a 20% em algumas delas. “Apesar disso, há uma tendência nas corporações de entregar esse assunto a profissionais de escalões inferiores”, ao citar recente pesquisa da ABRH, feita em parceria com a Aliança para a Saúde Populacional (Asap).

Segundo o levantamento – que consultou 668 empresas entre maio e junho de 2017, representando 1,3 milhão de empregados e 3 milhões de beneficiários -, apenas 9% delas destacam um diretor para cuidar da gestão da saúde dos colaboradores, enquanto 36% entregam essa responsabilidade a gerentes. A maioria deixa essa área a cargo de coordenadores, analistas ou técnicos. “A perplexidade de muitas companhias diante da escalada dos custos médicos tem a ver com a falta de importância que costumam dar à gestão da saúde corporativa.”

A pesquisa revelou dados preocupantes: quase metade (46%) das empresas não trabalha com indicadores de saúde (essenciais para monitorar a qualidade do atendimento), 40% não adotam a coparticipação dos funcionários no pagamento de consultas e exames (importante para evitar repetições e abusos), 56% não investem em alimentação saudável e 51% não têm programas de apoio a grupos de risco, como hipertensos, diabéticos e obesos. Quanto ao peso crescente da conta-saúde, o estudo mostrou que 55% das empresas consultadas tiveram aumento superior a 10% nos planos de assistência médica em 2016 (no caso de 14% delas, acima de 20%) e só 17% acreditam que os custos nessa área podem baixar nos próximos dois anos.

Se esses resultados mostram que boa parte das empresas não entrou em campo, efetivamente, para conter a alta acelerada de preços na saúde, também revelam que há cada vez mais companhias preocupadas com esse tema. “O número de empresas que nos procuram para redesenhar os seus planos de saúde cresceu muito nos últimos três anos”, afirma Rafaella Matioli, diretora da consultoria de saúde corporativa Aon. “Cerca de 22% delas estão fazendo gestão de saúde de forma contínua, indo além de medidas pontuais.”

Rafaella vê duas vertentes de ação para a redução de gastos na assistência médica corporativa: mudar planos de abrangência nacional para regional, incluindo a coparticipação dos funcionários nas despesas; e investir na gestão de saúde com mais profundidade, criando uma estrutura de atenção primária, na qual o médico de família, apoiado por um banco de dados com histórico dos pacientes, faça um primeiro diagnóstico e os oriente na busca dos especialistas mais indicados.

Ela nota que a inflação médica tende a continuar num patamar mais alto pelo avanço natural da medicina, que a cada ano desenvolve novos procedimentos. “Mas ter à disposição um exame inovador não significa que ele seja sempre recomendado. Se não houver um cuidado na atenção primária de saúde por parte da empresa, o paciente pode ser induzido a fazer exames e até cirurgias desnecessárias, encarecendo a conta.” Com base na experiência acumulada pela Aon, Rafaela estima que cerca de 30% dos exames pedidos pelos médicos brasileiros sejam dispensáveis.

O relatório mais recente sobre a atuação da rede privada de saúde no país, divulgado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com dados de 2016, indica certo exagero na solicitação de exames. Segundo o documento, os brasileiros beneficiários dos planos de saúde particulares realizaram naquele ano 7 milhões de ressonâncias magnéticas e outros 7 milhões de tomografias computadorizadas, o que dá uma média de 149 exames por mil pacientes nos dois casos. Em relação a 2014, houve aumento de 25% em ressonâncias e 21% em tomografias.

“Em média, o Brasil realiza quase três vezes mais esses exames de alto custo do que os países da OCDE”, compara Luiz Edmundo Rosa, referindo-se à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que congrega 35 nações entre as mais desenvolvidas. Outro procedimento superestimado no Brasil, este com certa tradição, é a cesariana, adotada em 84% dos partos feitos na rede privada em 2016 – índice acima dos 18,6% da média mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Considerada a prática na rede pública de saúde, a taxa brasileira de cesarianas é de 55,6%, só superada pela da República Dominicana, com 56%.

Por essas e outras, o custo da assistência médica corporativa brasileira cresceu num ritmo três vezes maior do que o índice de inflação no período de 2005 a 2017 – acumulando aumento de 270% ante a variação de 83% no índice geral de preços ao longo desses anos. Com isso, o peso da assistência médica nas despesas com pessoal passou de uma média de 5% para 12% nas empresas e, segundo especialistas, pode chegar a 14% em dois anos. “O envelhecimento da população responde por boa parte desse aumento. Antes o sistema de saúde cuidava principalmente de enfermidades transmissíveis, enquanto hoje é mais procurado para o tratamento de doenças crônicas, que demandam mais tempo”, explica Rafaella.

Diante do desafio do excesso de procedimentos caros, somado à expectativa de vida mais alta dos beneficiários, a direção da empresa não pode mais dar-se ao luxo de deixar a gestão de saúde nas mãos das operadoras, diz médica Márcia Agosti, gerente de programas de saúde da General Electric. “É preciso se aproximar de todos os atores envolvidos na questão para fazer as correções de rumo necessárias. Isso significa criar uma força-tarefa dentro da companhia, com gente de recursos humanos, financeiro e do setor de compras, e sentar-se à mesa com representantes dos trabalhadores, prestadoras de serviços e consultorias especializadas em busca de soluções.”

No caso da GE Brasil, o envolvimento direto da empresa na gestão de saúde começou dez anos atrás, com a implantação de vários programas de bem-estar, e evoluiu para a adoção da coparticipação dos funcionários no pagamento de consultas e exames, em seguida para a redução do número de planos de saúde – eram 13 e hoje são sete, para atender 12 mil funcionários e suas famílias – e finalmente à conversão de 70% dos planos para a modalidade pós-paga, que permite uma margem maior na negociação dos reajustes. Em 2011, a empresa criou um comitê multidisciplinar, com oito membros, para avaliar a qualidade do atendimento. O comitê procura identificar casos que sugerem uma certa dispersão dos pacientes na busca de tratamento e ajudá-los a ter mais foco.

“Percebemos que o maior motivo para um beneficiário procurar médicos diferentes de uma mesma especialidade estava no atendimento insatisfatório na primeira consulta. Isso nos ajudou a qualificar a rede de atendimento e a reduzir de 6,5 para 4 o número de consultas ao ano por beneficiário”, conta Márcia. O grupo que realizava mais de 13 consultas por ano, que representava 22% do total e mereceu atenção especial, hoje não passa de 12%. Com essas medidas, a GE Brasil derrubou em 15% o custo real per capita nos planos de assistência médica e, desde 2011, tem conseguido manter os reajustes anuais abaixo de 10% – à exceção de 2017, quando a empresa passou por uma reestruturação, com vendas e aquisições, e a conta-saúde aumentou 13,4%.

Outra experiência interessante ocorre no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo, que em 2010 decidiu implantar um programa de bem-estar e internalizar o tratamento mais dispendioso de seus três mil funcionários, deixando para a operadora de saúde apenas consultas e procedimentos mais simples. Para fazer esse atendimento primário e encaminhar os colaboradores aos tratamentos adequados, o hospital montou um ambulatório com 18 profissionais de saúde, incluindo dois médicos clínicos, dois geriatras e um médico do trabalho. Além disso, inspirado num modelo adotado pela Universidade Stanford, dos Estados Unidos, reservou um andar inteiro para atividades físicas e de lazer dos empregados, colocando à disposição não só uma academia completa, mas também aulas de ioga, balé e canto. “Ao usar a expertise que temos a nosso favor, conseguimos não só melhorar a qualidade do atendimento aos funcionários como reduzir em 40% o custo da assistência médica”, diz Leonardo Mendonça, coordenador de saúde ocupacional e qualidade de vida do Oswaldo Cruz.

Segundo Mendonça, o número de empregados do hospital que fazem atividade física diária aumentou 39% nos últimos oito anos, contribuindo para reduzir em 31% o total de pessoas afetadas pelo stress, em 35% o grupo com colesterol alto e em 36% o bloco dos hipertensos. “O custo per capita de quem aderiu aos programas de bem-estar é 35% menor do que o de quem não aderiu. Mas apenas 2% dos funcionários não aderiram.” Os resultados animaram a diretoria do hospital a construir uma nova unidade, que permitirá estender o mesmo nível de atendimento aos quatro mil familiares dos funcionários. Em 2017, mesmo com o reajuste de 16,4% da operadora de saúde contratada pelo hospital, o custo total da assistência médica subiu 10,95% no Oswaldo Cruz.

O médico Ricardo de Marchi, diretor do Centro de Performance Humana (CPH), especializado em estratégia de saúde, observa que não há fórmulas prontas para as empresas evitarem o alto custo da assistência médica. “Assim como tratamos os pacientes individualmente, devemos olhar cada empresa como única, respeitando as suas particularidades na hora de planejar mudanças no atendimento médico aos funcionários. É preciso levar em conta o tamanho da companhia, a sua abrangência, a sua cultura.” O que vale para todas, segundo ele, é a educação da população de usuários. “Os colaboradores precisam ser incentivados a se autocuidar e a usar responsavelmente a rede de apoio de saúde que a empresa lhes proporciona.”

Para passar esses valores de forma efetiva aos empregados, Marchi sugere como primeiro passo que o comandante da empresa adote para si os hábitos saudáveis que pretende disseminar entre os colaboradores. “Os CEOs que não acham tempo para atividades físicas e costumam adiar as consultas médicas precisam ser sensibilizados para cuidar da própria saúde. Ao fazer isso, eles vão induzir diretores e gerentes a fazer o mesmo e reforçar a importância de ações de prevenção de doenças para toda a corporação.”

FONTE: Valor Econômico

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