Como o mencionado em nossas publicações anteriores a respeito do processo de liquidação de uma operadora, um dos primeiros atos de intervenção da Agência Nacional de Saúde Suplementar a uma Operadora de Saúde é a direção fiscal ou a direção técnica. Aquela já foi objeto de nossa publicação anterior, onde expusemos alguns de seus contornos e sua forma processual, nesta publicação, trataremos da Direção Técnica, esta dirigida para questões administrativas.
Conforme previsto no Art. 24 da lei 9.656/98, sempre que detectadas anomalias graves que possam comprometer a continuidade da assistência, será implementado algum dos regimes especiais descritos na norma, no caso desta publicação, a direção técnica.
Ressalte-se que a norma possibilita a instauração de ambos os regimes diretivos, um sem prejuízo do outro.
A direção técnica instituída pela citada norma e regulamentada pela Resolução Normativa ANS nº 256/2011, pode ser definido com o regime especial, dirigido a verificação e implementação de modificações administrativas na Operadora de Planos de Saúde, dada as anormalidades administrativas e assistenciais previamente detectadas, além da análise de viabilidade da continuidade da existência da empresa.
Antes de instaurado o regime especial, a Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos – DIPRO, encaminha ofício a Operadora enumerando as falhas detectadas e conferindo prazo de 15 dias para resposta e solução da questão (Art. 2º). Neste prazo, a empresa poderá apresentar Plano de Recuperação Assistencial, prazo este que poderá ser prorrogado por decisão motivada da DIPRO.
Este plano tem prazo de vigência de 180 dias (Art. 4º §1º), e com isto já podemos inferir que o lapso temporal máximo previsto para a resolução de qualquer anormalidade administrativa identificada será este, devendo o plano considerar este prazo.
Do julgamento pela DIPRO das medidas mencionadas para resolução das questões, ou do plano de recuperação, caberá recurso a Diretoria Colegiada – DICOL, no prazo de 10 dias. Diferentemente da Direção Fiscal, este recurso tem como regra a imposição dos efeitos devolutivo e suspensivo, sendo necessária justificação fundamentada da DIPRO para a exclusão do efeito suspensivo.
O mencionado plano poderá ser considerado como não aprovado nas hipóteses do art. 7º da RN, que assim dispõe:
Art. 7º O Diretor da DIPRO deverá considerar o Plano de Recuperação Assistencial aprovado não cumprido sempre que:
I – durante a vigência do Plano de Recuperação Assistencial, ocorrer agravamento das anormalidades administrativas detectadas;
II – durante a vigência do Plano de Recuperação Assistencial, for apurado que as medidas, projeções ou metas fixadas não estão sendo cumpridas pela operadora;
III – ao final da vigência do Plano de Recuperação Assistencial, persistir qualquer das anormalidades administrativas graves detectadas; ou
IV – a operadora não estiver em dia com o envio do Sistema de Informações de Produtos – SIP exigido pela ANS.
Ultrapassada esta fase, se persistirem as anomalias indicadas no ofício da DIPRO, e sem prejuízo de outras descritas do rol exemplificativo do Art. 9º da RN, será instaurado o regime de direção técnica.
Assim como na direção fiscal, será nomeado um diretor técnico para monitoramento e verificação dos fatos que levaram ao regime especial, o prazo de duração também será de 365 dias e o diretor técnico se dirige a Operadora por meio de Instruções Diretivas – ID.
A questão mais marcante está no fato de que o Diretor Técnico, em princípio, possui poderes de gestão. Diferentemente do diretor fiscal em que a RN 316/2012 prevê vedação expressa a isto.
No entanto, a nosso entender, os poderes do diretor técnico são mais abrangentes do que aqueles previstos para o diretor fiscal. Isto porque, o Art. 11 da RN 256/2011 traz o rol de atribuições para o exercício da direção técnica, e no inciso IX está determinado: “praticar demais atos determinados pela ANS.” O que lhe conferiria poderes muito amplos, apesar da necessidade de chancela da ANS para eventuais medidas não previstas; e ainda, o previsto nos incisos a seguir descritos (grifo nosso):
IV – acompanhar os fatos, propostas ou atos ocorridos na operadora, manifestando-se contrariamente àqueles que não sejam convenientes ao restabelecimento da continuidade ou da qualidade do atendimento à saúde ou que contrariem as determinações da ANS, dando-lhe ciência com a maior brevidade possível a fim de evitar qualquer dano aos beneficiários;
V – notificar os administradores da operadora, para a adoção de providências cabíveis, da ocorrência de quaisquer irregularidades que possam comprometer a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde dos beneficiários;
VI – interpelar os administradores da operadora para que prestem esclarecimentos sobre as irregularidades de que trata o inciso anterior;
Apenas para que se compreenda esta maior extensão de poderes em comparação com a direção fiscal, este também tem norma similar que lhe abriria maiores possibilidade de ingerência sobre a empresa, conforme se identifica no Art. 6º, inc. VII (propor à ANS, quando for o caso), alínea G: “demais medidas que julgar cabíveis para o cumprimento eficiente do regime.”, no entanto, o diretor fiscal não tem poderes de gestão (art. 5º, RN 316/12), o que limita circunstancialmente sua atuação.
Incumbe ao diretor técnico, em similaridade com a direção fiscal, requisitar a apresentação do plano de saneamento assistencial, que deverá ser dirigido a DIPRO para verificação e avalição do mencionado plano.
Se as anormalidades administrativas cessarem, será extinta a direção técnica, no entanto, está previsto no Art. 10, Parágrafo Único da RN 256/11, o acompanhamento pela DIPRO por mais seis meses, a fim de identificar se as novas medidas são eficientes.
A manutenção das questões que levaram ao regime especial direciona a Operadora para a Liquidação Extrajudicial.
Um ponto relevante sobre este tópico e que temos acompanhado por relatos, dá conta da cassação do registro definitivo ou temporário da operadora, sem a imposição de regime especial. Observamos que este tipo de ocorrência tem sido comum nas hipóteses em que a anormalidade está ligada a questão administrativa.
Pela leitura atenta da legislação, e considerando os princípios constitucionais e de direito administrativo, compreendemos absolutamente equivocada a posição da Agência em cassar o registro da Operadora (provisório ou não) sem a instauração do regime especial de direção técnica. Uma das razões mais simples e objetivas estão descritas nos Art.s 10, inc. II e 11, inc I, alínea h, ambas da RN 256/11. Portanto, reitere-se, a cassação de registro da Operadora sem a instauração do regime próprio, implica em ilegalidade que deve ser combatida.