O processo de Liquidação de uma Operadora: A Direção Fiscal

Em prosseguimento com os temas relacionados com a liquidação de uma operadora, trataremos das linhas gerais relacionadas a um dos primeiro atos efetivos de intervenção da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, sobre a Operadora de Planos de Saúde, a direção fiscal.

A direção fiscal, determinada pelo Art. 24 da Lei 9.656/98 e regulamentada pela Resolução Normativa n° 316/12 (recentemente alterada pela RN 401 de 25/2/2016 – ver notas ao final), tem por objetivo precípuo atender ao preceito maior da segurança e continuidade da assistência. Desta forma, a ANS, detectando a existência de problemas de ordem econômico financeiro e/ou contábeis na Operadora, conforme rol exemplificativo descrito no Art. 2° da RN 316/12, instaura o regime de direção fiscal por meio de publicação de Resolução Operacional, nomeando um representante da ANS para atuar como diretor fiscal (RN 300/12) e acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos.

Como o mencionado, a direção fiscal é instaurada com base no rol exemplificativo do Art.2° da RN 316/12, que dada a sua relevância, passamos a transcrever:

Art. 2° O regime especial de direção fiscal poderá ser instaurado, quando detectadas uma ou mais anormalidades econômico financeiras ou administrativas graves que coloquem em risco a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde, conforme abaixo especificadas, sem prejuízo de outras hipóteses que venham a ser identificadas pela ANS.

I – totalidade do ativo em valor inferior ao passivo exigível;

II – desequilíbrios estruturais na relação entre ativos e passivos de curto prazo que comprometam a liquidez;

III – inadequação às regras de garantias financeiras e ativos garantidores;

IV – inadimplência contumaz com o pagamento aos prestadores;

V – não apresentação, rejeição, cancelamento ou descumprimento do Plano de Adequação Econômico-Financeira – PLAEF ou do Termo de Assunção de Obrigações Econômico-Financeiras – TAOEF;

VI – obstrução ao acompanhamento da situação econômico financeira;

VII – não adoção ou inobservância das regras do Plano de Contas Padrão da ANS;

VIII – deficiência de controles internos, inconsistências, erros ou omissões nas informações contábeis que prejudiquem a avaliação da situação econômico-financeira.

IX – inobservância das normas referentes à autorização de funcionamento; ou

X – alteração ou transferência do controle societário, incorporação, fusão, cisão ou desmembramento em descumprimento às normas da ANS, se não promovida a regularização do ato.

No que toca ao inciso VI, a ANS definiu o que seria esta obstrução no parágrafo único da norma, dispondo:

Parágrafo único. Considera-se obstrução ao acompanhamento da situação econômico-financeira qualquer conduta ou omissão da operadora que venha a impor injustificadas dificuldades ao exercício das atividades de acompanhamento ou monitoramento econômico financeiro da ANS.

Pela leitura da norma, depreendemos que a direção fiscal é uma modalidade de regime especial, voltado à identificação de desequilíbrios econômico financeiros e/ou contábeis, e que dá suporte a ANS para a decisão de continuidade ou não da Operadora.

Com a publicação da Resolução Operacional instaurando o regime, o Diretor Fiscal é escolhido pela Diretoria Colegiada da ANS, conforme critérios discricionários (conveniência e oportunidade) e aqueles determinados nos termos do Art. 7° da RN 300/12, que deverá cumprir o previsto no Art. 6° da RN 316/12.

Este profissional nomeado pela ANS para o cargo de direção fiscal será remunerado pela própria Operadora, e o valor de sua remuneração será equivalente ao do cargo em comissão de Gerência Executiva, nível III, símbolo CGE-III da ANS (Art. 12, da RN 300/2012).

Fato importante sobre o diretor fiscal é que o mesmo não tem poderes de gestão, conforme termos do Art. 5° da RN 316/2012, desta forma, não cabe ao diretor fiscal determinar a forma como a Operadora funciona, mas recolher informações e questionar os resultados, bem como solicitar ajustes contábeis. Estas solicitações do diretor são feitas por meio de Instruções Diretivas (Art. 6º, §1º RN 316/2012), que são entregues a Operadora para entrega de documentos ou apresentação de resposta. Caso não seja assinalado prazo para a resposta, e por não haver previsão legal expressa, compreendemos que o prazo deverá ser aquele previsto no processo administrativo federal, portanto, 10 dias contados do dia seguinte à entrega do documento (Lei 9.784/99).

Insta salientar que, apesar do diretor fiscal não ter poderes de gestão, este pode recomendar a Diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras – DIOPE, que solicite a Diretor Colegiada da ANS, o afastamento dos administradores em razão do descumprimento de determinações do diretor fiscal (Art. 12, da RN 316/2012).

A direção fiscal terá prazo máximo 365 dias (um ano), conforme Art. 24 da Lei 9.656/98, no entanto, encerrado este prazo, é possível a instauração de novo regime de direção fiscal, nas hipóteses em que os trabalhos necessitem de acompanhamento.

Nesta também se inicia o processo de indisponibilidade de bens dos sócios e administradores atuais e os que compuseram o quadro societário e administrativo nos 12 meses anteriores a instauração do regime. A fim de não perder o foco no tema da direção fiscal, a questão sobre a indisponibilidade dos bens será objeto de publicação própria.

No decorrer da direção fiscal, a Operadora, se requisitado pelo diretor fiscal, deverá submeter a este o chamado Plano de Saneamento, que consiste no conjunto de medidas voltadas a readequação e ao reequilíbrio das inconformidades detectadas, e que ensejaram a instauração do regime excepcional.

Este plano deve ser direto, bem formatado e apresentar soluções que condigam com a realidade da Operadora, considerando o preconizado no Art.s 9 e 11 da RN 316/2012. Além das questões técnicas, assim consideradas pelos dados econômico financeiros e de contabilidade, compreendemos que neste plano devem ser considerados: a região abrangida pela Operadora, a fidelidade de sua carteira de clientes, sua importância na região e demais fatos sociais que condigam com a justificativa de manutenção da existência da Operadora.

Note que o interesse legal da ANS é considerar a capacidade de recuperação e a readequação da Operadora as normas de Saúde Suplementar, tanto assim que diversas são as normas que tratam da possibilidade de apresentação de novas formas de cálculo, desde que aprovadas pela ANS, por exemplo, Art. 6º, §5º da RN 209/2009 (trata da exceção ao cálculo da margem de solvência). Portanto, em resumo, o plano deve ser fidedigno, plausível, real e possível.

O regime de direção fiscal e a composição do plano de saneamento, também devem ser vistos pelas Operadoras como um momento de ajustes internos, tratando-se de verdadeira oportunidade de readequar setores, muitas vezes, sensíveis da Operadora que vinham gerando prejuízos ou não correspondiam às expectativas. Um bom planejamento e a apresentação de um plano coerente tem mais valor e certamente é mais defensável do que um programa de saneamento que, para anteder aos anseios da norma, não se mostre coerente com a realidade.

O mencionado plano de saneamento, quando requisitado pelo diretor fiscal, deve ser apresentado pela Operadora no prazo de 30 dias a contar do recebimento da ID, sendo prorrogável por igual período desde que haja autorização da DIOPE (Art. 8º, §1º da RN 316/2012).

Cabe ao diretor fiscal analisar e emitir parecer a respeito do plano de saneamento oportunizado pela empresa, este que comporá o relatório final no julgamento realizado pela DIOPE a cerca do plano apresentado. Deste julgamento cabe recurso administrativo a Diretoria Colegiada no prazo de 10 dias (Art. 11, §2º da RN 316/2012), que será recebido no efeito devolutivo, ou seja, a decisão tomada pela DIOPE poderá ser cumprida, independentemente da pendência de novo julgamento pela Diretoria Colegiada. A possibilidade de aplicação de efeito suspensivo depende de requerimento da Operadora no recurso, e caberá ao diretor da DIOPE este julgamento.

Se concluído o lapso temporal de 365 dias, caberá ao diretor fiscal a produção de relatório descritivo sobre a situação da Operadora no período, e a emissão de parecer no sentido da extinção da direção fiscal, continuidade dos atos de extinção da operadora, ou ainda a renovação da direção fiscal por igual período. Qualquer que seja a decisão, a mesma está sujeita as normas e elementos necessários a composição de qualquer ato decisório previsto em direito, tais como: relatório, fundamentação e motivação.

Em tempo, chamamos atenção para as modificações impostas pela RN 401/16, visto que relevantes para as direções fiscais já em curso, bem como para aquelas em risco de decretação. E neste sentido, dentre outras, chama atenção a alteração ao Art. 4°, inc. I, que informa que a direção fiscal somente poderá ser cancelado pela Diretoria Colegiada caso a Operadora já tenha registro definitivo; e ainda, a modificação ao Art. 24, que passou a ter a seguinte redação: “A liquidação extrajudicial poderá ser decretada por extensão sobre pessoas jurídicas que tenham integração de atividade ou vínculo de interesse com a liquidanda, ainda que não atuem no mercado da saúde suplementar.”

Sendo determinada a liquidação extrajudicial da Operadora, esta seguirá para os demais atos de extinção da empresa, estes que serão objeto das próximas publicações.

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